Achocolatado antológico: Língua Animal

        A antologia Língua Animal é uma coletânea de contos, crônicas e poesias organizada pela autora Isadora L. Hermann, através da editora Ao Vento Editorial (Viçosa, MG), com a 1ª edição publicada no ano de 2020. O livro conta com a participação dos seguintes autores brasileiros: 

Adriano Besen 
Alessandro Mathera
Alexandre Wagner
Ana Flávia Brandão
Andréia Mara Kraetzer
Dalvan Linhares
Élida Ramalho
Franciele Bueno
Gabriel Lucas
Glaucio Oliveira
Guilherme Sampaio
Hávner Gomes
Isadora L. Hermann
João Catalão
Jojo Campos
Julia Klautau
Katherine McBride
Kaylane Pinheiro Oliveira
Kênia Nunes
Lilly Alpina
Lucas Cardoso 
Lúcia Eneida Ferreira Moreira
Marcos Pereira dos Santos
Megan Jeanne Holland
Nanda Rodrigues 
Natanael Florêncio
Noh Oliver
Nonato Costa
Paulo Medrado
Pedro Gabriel Gusmão
Rainolfa
Rose Show
Tainara Cezar
Thacy Mendes

       Os textos estão divididos nos seguintes tópicos: 

Antenas e Feromônios (insetos)
Grasnos e Gorjeios (aves)
Ronco dos Peixes
Chiados e Guinchados (roedores)
Gatos a Miar e Ronronar
Latidos e o Rabinho a Balançar (cachorros)
Clamor Coletivo (contra a caça clandestina e os maus tratos aos animais)

       A coletânea reúne textos inspirados em vivências, convivências, relatos, testemunhos e sentimentos em relação aos animais domésticos e selvagens. Do Planejar/a arquitetura/o espaço/a vida das formigas ao triste cãozinho ferido de Eu só queria ser seu amigo, os animais são protagonistas e coadjuvantes em histórias que retratam o dia a dia de passados que deixaram as melhores lembranças, de presentes carregados de momentos únicos e marcantes e de futuros que recebem desejos, pedidos, sonhos e clamores por um mundo livre de maus tratos.

       Os textos selecionados para a antologia não seguem um "padrão" definido de construção narrativa ou de estruturas textuais. Também não há um limite de laudas, de quantidade de textos e de gêneros literários por autor. Ao longo da leitura da obra, é possível identificar quais autores tiveram participação com vários textos de um ou duas laudas e quais submeteram textos de até seis laudas. Há autores que submeteram conto, crônica e poesia, assim como autores que submeteram textos de apenas um gênero literário. Alguns dos textos possuem uma grande preocupação com questões relacionadas ao emprego da norma culta e da ordem cronológica dos acontecimentos narrados. Outros usam e abusam da licença poética e do direito de escrever e sentir a (des)ordem interior da escrita, deixando as revisões de lado. Essas características servem para discutir a liberdade e a autonomia dos escritores no processo de construção da coletânea. Cada um teve um papel a cumprir com a revisão e a correção (ou rejeição de qualquer alteração) nos seus textos. Tudo isso é muito importante para ser avaliado pelos escritores, pois dizem muito sobre como uma editora trabalha e como ela enxerga os escritores. Quem busca iniciar no mundo da escrita com a participação em antologias deve ficar atento a essas questões. Não que uma editora seja melhor do que outra, mas cada uma possui um perfil que parece se adequar melhor a cada autor (individualmente). Como os textos são trabalhos tão íntimos e particulares, o autor precisa depositar sua confiança e se sentir à vontade com uma editora. Se for um caçador de antologias, ele terá experiência com todos os tipos de editoras independentes que se possa imaginar.

       O prefácio foi escrito pela organizadora, que também possui textos publicados na coletânea. Ele começa chamando a atenção pela diversidade e pela valorização das singularidades presentes em cada texto e em cada animal citado, em especial, pelo diálogo que existe entre os animais e os seres humanos:

       "Se um cão pastor-alemão pastoreia rebanhos entoando latidos em sotaque germânico, um buldogue-francês faz biquinhos ao ouvir a palavra passeio e o latido do galgo inglês soa como o mais forte e sério do canil: o vira lata é poliglota. Há quem diga que diálogos travados entre animais e seus tutores são duradouros monólogos com performances e vozes distintas. Contudo, entre raças definidas ou indefinidas, latidos, miados, assovios, chiados e nós, seres humanos, só há uma língua a ser falada: a língua do amor." (ISADORA L. HERMANN) 

       Esse diálogo não se limita a um cão e o seu dono, nem ao contato físico direto entre eles. É um diálogo que nasce até mesmo com uma foto, uma notícia ou uma lembrança. Através disso, nós sentimos o amor, os cuidados e o respeito que alguns deles desfrutam em seus lares aconchegantes e os pedidos de socorro de muitos deles. Isso tem movido muitas pessoas para atuar em prol de uma causa muito importante para a natureza, por exemplo, o combate aos maus tratos aos animais domésticos, à caça irregular de animais ameaçados em extinção e a destruição de habitats essenciais para a sobrevivência de muitas espécies. Cada diálogo acontece dentro de um contexto, considerando a região, o tempo e a cultura em que seres humanos e animais estão convivendo. Mesmo que sejam várias línguas, várias culturas, vários animais, o que há em comum é o amor que existe em cada um. Embora o autor que era pai de um gato chamado Tom não conheça a cachorra Luma, ele poderá entender os seus latidos, as suas lambidas e o seu focinho gelado através da leitura.

       Enquanto os tópicos Gatos a Miar e Ronronar e Latidos e Rabinho a Balançar são os que possuem o maior número de textos, os demais possuem um, dois ou até três textos. É uma forma de aproximar os textos da experiência de convivência entre os seres humanos e os animais, pois muitos desses autores escreveram sobre seus queridos bichinhos de estimação. Outros escreveram sobre reflexões, dúvidas, pulgas atrás da orelha que parecem tirar noites de sono. Alguns parecem tão óbvios, mas o olhar coletivo se direciona para outro rumo. É aqui que entram as formigas, os animais abandonados, os animais selvagens ameaçados, os peixes e as aves. O primeiro tópico da antologia (Antenas e Feromônios), por exemplo, possui apenas um texto: Planejar/ a arquitetura/o espaço/a vida das formigas. A autora Élida Ramalho usa suas palavras para fazer um questionamento sobre como os seres humanos deixam de observar detalhadamente a organização dos espaços ocupados pelas formigas. Isso nos leva a uma reflexão, pois ao observar detalhadamente, fica a seguinte pergunta: "seriam as formigas arquitetas com viés urbanísticos que pensam na mobilidade urbana?" (ÉLIDA RAMALHO) Afinal, elas se preocupam em ter um espaço que possui múltiplas funções enquanto desempenham suas tarefas de forma dispersa, utilizando elementos da própria natureza, de forma orgânica e sustentável. É verdade. Nós precisamos aprender muito com as formigas. Não só com as formigas, mas com os demais insetos. Aliás, por que não com todos os animais? Há grandes lições sobre laços de amizade e companheirismo com os gatos Légolas e Tom, de fidelidade e força com a cachorra Luma, de conscientização com os peixinhos Dedo, Orelha e Boquinha, de memória e resistência de um povo com o dragão Long, de astúcia e esforço com a porquinha da índia Goghx e de sabedoria e experiência com a acauã e o rouxinol. São lições que nos ensinam a viver, a respeitar, a tratar melhor as pessoas e os animais e a amar sem temer a entrega, pois a língua animal possui incontáveis formas de dizer "eu te amo", "eu estou aqui", "pode contar comigo". Para aprender melhor sobre essa língua, eu sugiro uma leitura cautelosa e bem proveitosa da antologia. Por meio das palavras, o leitor sente a lambida dos cachorros, as massagens com as patinhas dos gatos, os olhares curiosos e esbugalhados dos peixinhos, os recitais de poesias dos passarinhos, as cócegas dos roedores, a beleza do trabalho das formigas e o calor das chamas de um dragão.

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