Conto: O que tem na minha lancheira

      Na época do jardim de infância, a hora do recreio era a melhor parte de ir à escola. Eu me sentava em círculos com as outras crianças, incluindo as que não gostavam muito de mim. Acho que desde os meus três anos eu venho colecionando desentendimentos e algumas inimizades por onde passo. Os motivos sempre foram relacionados ao meu cabelo de franjinha, ao meu jeito delicado, à minha preferência por estar perto das meninas e dos brinquedos de casinha. Não que eu tenha me acostumado, mas as implicâncias pareciam focar apenas nisso. Qualquer coisa que me aproximasse de uma "menininha" rendia gargalhadas e piadas sem graça. Desde cedo, eu aprendi a ignorar quando os problemas não passavam de palavras em uma sequência que não fazia sentido algum. Porém, quando eu tinha cinco anos, um pequeno detalhe mudou o rumo das intrigas.

      — Hora do recreio! — Disse a professora — Formem a fila para pegar a lancheirinha e se sentem em um círculo bem grande no pátio!

      — A minha é aquela ali! — Pedrinho apontou para a lancheira do Homem Aranha.

      — E a minha é aquela dali! — Carlinhos apontou para a lancheira do Incrível Hulck.

      Minha lancheira era azul e não tinha nenhum desenho, mas minha mochila era do Mickey Mouse. Eu me sentia triste porque eu queria da Minnie. Eu gostava muito dos lacinhos que ela usava na cabeça. Um dia, eu tentei desenhar um laço no Mickey com uma canetinha rosa, mas meus pais brigaram comigo e apagaram tudo.

      — Isso não é coisa de menino! — Eles diziam isso quase todos os dias para mim.

      — Mas eu quero... — Minhas respostas nunca foram muito convincentes.

      Mamãe colocava biscoito recheado ou pipoca salgada no meu potinho de petiscos e uma Pitchula (tinha um sabor para cada dia da semana). Acredita que eu nunca mais achei esses refrigerantes para vender em lugar nenhum? Não sei se deixaram de ser fabricados ou se os supermercados não os consideram mais lucrativos. Um dia, eu vou ter ânimo para procurá-los. Isso fez parte da minha vida. A escola não dava um pio com os nossos pais. Eles deixavam a gente beber refrigerante, mas metade da sala levava suco natural. Como nós morávamos na Baixada Maranhense, as frutas estavam em quase todos os quintais e praças. Se tinha fruta em abundância, então ela também estava presente nas lancheiras das crianças... E esse foi o pequeno detalhe.

      Eu sempre levava uma fruta na lancheira, apesar de que, na maioria das vezes, ela voltava inteira para casa. Eu sempre gostei muito de comer fruta, mas tinha dia que colocavam uma ou outra que eu não gostava muito. Se na minha lancheira tivesse uva, maçã, laranja, manga, melancia ou abacaxi, eu comia até sobrar o suco no fundo do potinho para beber. Se tivesse mexerica, mamão ou melão, eu deixava para outra pessoa comer em casa. Isso não me tornava diferente de nenhuma outra criança da escola. Tudo andava tão comum como qualquer outro recreio... Até o dia em que eu abri a lancheira no círculo e achei uma banana junto com os biscoitos. Eu não mencionei antes. Banana era minha fruta favorita.

      — João parece um macaco com essa banana! — Larissa falou para o círculo inteiro ouvir.

      — Ele tem fedor de macaco também! — Carlinhos começou a rir e a imitar um macaco para mim.

      — É porque ele tem pele de cocô! — Pedrinho entrou na brincadeira sem graça para fazer o círculo rir.

      A professora estava ocupada na secretaria. Se ela estivesse na sala de aula, acho que alguma coisa teria sido feita a respeito disso. Ela nunca moveu um dedo para me defender das piadinhas sobre o meu jeito e os meus gostos, mas sobre isso... Eu me recuso a acreditar que ela deixaria isso passar sem ao menos dar uma bronca nesse trio. O que eu não entendo é que eu não fui o primeiro a levar uma banana para a merenda. Quantas bananas já foram comidas pelas crianças e pelas professoras na escola? Eu também não era o único que suava enquanto brincava e nem o único negro da turma. Por que logo eu parecia com um macaco comendo banana? Por que só eu fedia como um macaco? Por que só eu tinha "pele de cocô"? Por que todo mundo ria de mim e repetia as mesmas coisas? Eles juntaram isso com as implicâncias pelos meus brinquedos favoritos, pelas cores que eu gostava e pelo meu jeito de andar, correr e brincar. Nem preciso dizer que as meninas e as outras crianças negras também estavam rindo de mim. Nem preciso dizer que a banana voltou inteira para casa.

      — Você não comeu a banana por quê? — Tia Esmeralda me perguntou — Sua mãe disse que é a sua fruta preferida.

      — Eu não gosto mais de banana...

(Jojo Campos)

Comentários

Postagens mais visitadas