Conto: Como um ano sem ver o sol

— Que dia é hoje? — Eu procurei meu celular em algum canto da cama — 21... — Mas qual é o mês?

Sempre que eu vejo o calendário, eu estou preso em alguma segunda feira. Deve ser por causa daquela sensação de pior dia útil da semana. Nem mesmo a pandemia conseguiu mudar isso. Hoje, eu não sairei de casa, assim como na segunda feira passada e na anterior. Não há nenhum compromisso novo que se inicia aqui ou uma agenda a ser retomada. As programações estão suspensas por tempo indeterminado... E isso inclui a terça, a quarta, a quinta... Há quanto tempo em estou na segunda feira? Dia e horário são duas coisas que não fazem mais sentido. Os dias viraram horas, as semanas viraram dias, os meses viraram semanas e o ano criou novos meses para durar uma eternidade. Quem se importa? Ano passado, eu fiquei preso em março e em agosto. Não tive nenhum final de semana livre e nem feriado sem atividade. Dezembro durou apenas dez dias, o tempo necessário para o Hanukkah, o Natal e a véspera do Ano Novo.

Deixei o celular de lado e fui olhar a janela. Ela vive fechada, mas as brechas deixam a luz invadir o quarto, junto com os pernilongos e as formigas com asas. De vez em quando, uma mosca aparece desenhando círculos pelo ar. Elas sempre pousam próximo ao meu ouvido. Queria poder voltar a ouvir seus zumbidos. Pena que isso não é mais possível. Era o tipo de incômodo que me fazia sentir que tudo continua do mesmo jeito, como em qualquer outro lugar tedioso e repetitivo. O tempo parece congelar durante metade do dia. Qual é o sentido para tanta bagunça?

— Que horas são? — Com quem eu estou falando mesmo? — 19h...

Eu dormi o dia inteiro... Eu confundi a luz da garagem com a luz do sol... De novo, de novo e de novo. Eu destranquei as fechaduras e abri as janelas. Não tem nada de diferente para ver aqui. O céu continua escuro, sem nenhuma estrela. Elas ainda estão escondidas atrás das nuvens. Esses ventos dizem que vai chover, mas cadê a chuva? Já estamos no inverno? Acho que não... O tempo ficou tão estranho quanto a rotina sem nada para fazer. Não tem dia, não tem hora, não tem o porquê de acordar e se levantar da cama. Cada segundo deitado é como um ano sem ver o sol. O sentido das coisas parece ter deixado de existir. Se não fosse o estômago roncando de fome e o rosto grudando de suor, eu fecharia os olhos e voltaria a dormir. O sono foi tomar café antes de mim. Ele deixou a preguiça me fazendo cafuné. Isso não é nada confortável. Não importa o quanto eu durma, o cansaço permanece firme e forte no meu corpo. De onde surgiu tanto cabelo? Tem cabelo no travesseiro, na cama e no chão do quarto. Dá para fazer uma peruca.

Na segunda porta do meu guarda roupa, eu tenho um estojo de maquiagem escondido do meu pai. Eu comprei todos esses batons vermelhos para usar fora de casa. Minha base foi tão cara e difícil de achar. Se fosse para deixar tudo dentro de uma caixa de sapatos, atrás dos lençóis de cama e fronhas de travesseiro, eu não teria comprado nem na promoção. Meu protetor solar está quase fora do prazo de validade. A ideia era pegar sol todas as manhãs. Eu fazia isso até fevereiro. Todos os dias, eu descia no primeiro ponto de ônibus do campus universitário e andava até o meu prédio, o penúltimo da universidade. A luz me dava ânimo e força de vontade para iniciar a rotina com aquele desejo de continuar tudo. Quem sabe amanhã? Uma hora ou outra, eu vou acabar queimando a cara nele. Espero não estar tão desacostumado com a sua presença. Nunca mais vou reclamar de sair na rua, ao meio dia.

— É hora do café da manhã. — A pior refeição do dia — Mas eu não bebo café...

(Jojo Campos)


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